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quarta-feira, 14 de setembro de 2011

Era a última tarde de inverno

Em meio ás ultimas folhas secas espalhadas pelo chão, havia o primeiro traço de vida de primavera que insistia em se manifestar. O botão de lírio branco podia acalentar até mesmo a alma mais vazia daquele dia. O rouxinol, com seu canto triste, despedia-se da imensidão dourada que encobria o horizonte. E ali, envolta a tanta solidão, ainda encotrava-se a mais completa doçura.
Havia uma garota. Com a pele corada, os lábios rosados. Não havia sorriso: apenas uma linha reta que não definia expressão alguma em sua face. Seus cabelos eram dourados e os olhos tão castanhos quanto favos de mel. Era como se abelhas tivessem comandado a construção de cada pigmento tão delicadamente quanto o ato de colher o pólen das flores do campo.
Não havia beleza imensurável. Ela era encantadora por si só. Trazia consigo olhos expressivos e um pedaço de papel amassado por entre os dedos. Nessa tarde, sentei-me ao seu lado, como de costume. Conversáva-mos sobre tudo. Sobre a fome no mundo, sobre as novas bandas de rock progressivo, ríamos das coisas convencionais que aconteciam.
Não víamos o tempo passar. As nuvens se movimentavam, as gramíneas e as copas das arvores balançavam num ritmo calmo e silencioso. Seus cabelos ao réu batiam nos ombros de jeito gentil, e quando o faziam, exalavam um cheiro de camomila que enchia o meu coração.
Nós continuamos ali. Mãos apoiadas no chão, a três centímetros uma da outra, mas sem intenções. Ao menos por parte dela. Já eu, me sentia tão acalentado com o seu riso, que tinha vontade de abraçá-la somente por existir... E eu ficaria ali, poderia perder a minha vida inteira nesse momento.
Coloquei meu casaco em volta de suas costas, aqueci-a. Ventos de setembro são contrários aos ventos de março: varrem vestígios dos amores mal sucedidos de Junho a Agosto. Ela encolheu os ombros e sorriu. Apertou-o mais contra o corpo. Voltou a olhar pra frente.
Sabia que naquele momento, seus pensamentos já não eram mais meus. Não sei se cheguei a comentar, mas, por varias vezes, pude sentir seus anseios. E naquela tarde...
- Eu o amo.
- Eu também a amo...
- Ela quem? – Ela perguntou curiosa.
Tive vontade de dizer “você”, mas menti. Menti descaradamente...
- Não importa. Não se pode confundir certas coisas.
- Por que não?
Ela sempre com seu jeito curioso.
- Eu não sei.
Ficamos em silencio por alguns minutos. Pela primeira vez, não havia o que dizer. Ficamos ali, ainda a três centímetros um do outro, pensando em nossas respectivas paixões: meu próprio sonho se dissipando entre os dedos; meu próprio sonho almejando ser o sonho de outra pessoa.
Então dois anos se passaram.
Seguimos rumos diferentes.
Nunca mais soube dela e já nem me lembro mais o motivo. A única coisa que me restou, foi uma saudade sem medidas do tempo em que passávamos juntos. Mas já não podia mais sentir o seu riso, já não me recordava mais do som ou se quer conseguia distinguir o seu cheiro.
Havia um numero em minha agenda. Nela, constava uma seqüência de números que eu nem sabia se ainda a pertenciam, assim como nunca pude ter certeza se o seu coração um dia fora meu. Passei aproximadamente 700 dias a base de álcool e fumaça. Havia amigos e grandes festas. Muitas das vezes, acordei em lugares desconhecidos e ao lado de pessoas que mal me recordava.
Em meio a restos de cigarros e cacos de vidros espalhados pelo chão, ia catando meus pertences em cada um dos cantos. Enquanto procurava as chaves do carro e seguia de volta pra casa, ia pensando pelo caminho onde havia deixado a parte que completava o meu coração. Restava sempre esse vazio no fim das contas...
Certo dia, nem me lembro o motivo. Digitei uma mensagem curta me desculpando por algo que por ventura tenha acontecido.
Obtive uma resposta curta e simples.
Essa resposta mudou a minha vida.
O que me entristece, caro leitor, é que mesmo depois disso, ainda não nos reencontramos.
E sim, eu ainda a amo.
Tive a oportunidade de dizer, fiz com que ela soubesse. Ela retribuiu.
Trocamos juras, cartas, presentes, sonhos, tudo.
Até os corações.
Hoje, porém, após todos os contratempos, ainda continuamos fortes. Nos irritamos, a saudade não conseguiu ser suprida como nos velhos tempos.
Por isso encontro-me sentado á minha cama, nessa noite de inverno tão esplendorosa. Permita-me ressaltar o quão lindo e silencioso encontra-se o céu e as estrelas, aqui, pela janela do quarto.
Sinto a falta dela.
Escrevo nossa historia nesse bilhete pra que ela possa sempre se recordar dos desafios aos quais passamos juntos ate hoje. Grito em palavras a dor de minha saudade sem fim.
Não haverá mensagens nessa noite, não haverá ligações ou juras de amor antes de dormir. Haverá silencio e amor.
Assim como haverá outros dias e outros bilhetes e outras historias. Mas somente nossas.
Não somos um ciclo, somos uma linha tênue entre o meio e o interminável. Não tivemos começo, não suportaremos um fim. Somente um “eu sinto a sua falta” até que venha o próximo verso.
Bons sonhos, menina.
Deixo aqui um beijo,
e o meu coração.

Um comentário:

  1. Meu deus, que perfeição de texto! Profundo e melancólico...Parabéns amiga! Você é minha jornalista favorita!

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